Equipa do Instituto Superior Técnico usa digitalização e inteligência artificial para
prever texturas, cores e veios no interior de um bloco de mármore.
Manuel Carvalho, Jornal Público
Área de extração de mármore em Fonte da Moura, Aldeia de Pardais, Borba DANIEL ROCHA
A olho nu, um bloco de mármore com três metros de comprido, dois de altura e metro e meio de largura é apenas aquilo que aparenta: uma pedra dura, capaz de pesar 25 toneladas ou mais. No prazo de um ano e meio, porém, essa aparência apenas monolítica vai acabar. Um projeto de investigação dirigido pelo Departamento de Engenharia de Recursos Minerais do Instituto Superior Técnico (https://tecnico.ulisboa.pt/pt/) está a desenvolver uma tecnologia que permitirá aos industriais saber o que está dentro destes blocos. Ou, mais exatamente, que tonalidades existem ou que tipo de veios haverá em cada pedra acabada de chegar das jazidas de Vila Viçosa, Estremoz ou Borba.
Para o conseguir, os investigadores do Técnico apostam em simultâneo na digitalização e na inteligência artificial (IA). Num laboratório existente nas instalações do grupo Galrão, uma empresa familiar que opera no sector das pedras naturais há 70 anos, os blocos que chegam das minas são retratados em
imagens digitais. Depois, cada uma das “chapas” (as pedras cortadas em placas, prontas para serem usadas na indústria da construção) será igualmente fotografada. Em paralelo, um programa de deep learning (aprendizagem automática profunda) baseado na inteligência artificial “tentará ‘aprender’ como
é que os desenhos dos veios se vão distribuir pelo volume”, explica Gustavo Paneiro, investigador do Técnico.
Até ao final de 2025, os investigadores esperam obter imagens suficientes para permitir aos modelos matemáticos que desenvolveram “perceber” as texturas, as cores e o perfil dos veios que existem dentro de cada pedra. Se tiver capacidade de prever o que está em cada bloco extraído da mina, a indústria “ganha enormes vantagens”, diz o investigador.
Paulo Diniz, CEO do grupo Galrão, confirma. “Vamos ser capazes de ter uma maior precisão” na operação de corte do bloco em chapas. E “vamos ser capazes de construir um catálogo digital para apresentar aos clientes”, ainda antes de os blocos estarem cortados em chapas, diz Paulo Diniz.
O projecto em curso no Instituto Superior Técnico faz parte de uma das Agendas Mobilizadoras (https://www.publico.pt/2023/02/21/economia/noticia/agendasmobilizadoras-vao-receber-10-adiantamento-2039700) financiadas pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – em concreto a agenda “Pedras Sustentáveis de Portugal”. A relação das empresas com o centro de competências do Técnico “era antiga”, mas, “para ser honesto, a iniciativa é mais deles do que nossa. Mas, claro está, nós embarcámos de imediato”, conta Paulo Diniz. Porque esta capacidade de prever o potencial de cada bloco “é um anseio nosso muito antigo”, diz o CEO do grupo Galrão.
A ambição de “ler” o interior dos blocos de mármore para antecipar cores ou estilos e evitar o desperdício é antiga. Um projecto anterior (https://www.publico.pt/2019/12/05/politica/noticia/maquina-raiox-blocosmarmore-alentejano-alandroal-1896363), dirigido pela MetalViçosa, em parceria com a Universidade de Évora, recorreu aos raios X e a técnicas baseadas na ressonância magnética. Mas, passados anos e um investimento de 1,2 milhões de euros, o projeto não vingou. E chegou então a vez de o IST propor à indústria uma nova tentativa de resposta aos seus “anseios”.
Evitar desperdício
Uma experiência recente da indústria portuguesa nos Estados Unidos tornou essa necessidade ainda mais premente. O fornecimento de mármore para o novo Perelman Performing Arts Center de Nova Iorque
(https://www.publico.pt/2023/09/23/fugas/noticia/centro-artes-cenicas-novaiorque-construido-marmore-vila-vicosa-2064364), no coração da zona de homenagem às vítimas dos atentados das Torres Gémeas, obrigou a indústria a fazer contas. “Foram extraídas dezenas de milhares de toneladas de mármore
para se obterem as seis ou sete mil toneladas usadas na fachada do edifício”, diz Gustavo Paneiro.
Num sector em que Portugal tem vantagens competitivas (https://www.publico.pt/2016/05/25/culturaipsilon/noticia/o-melhor-marmore-domundo-1733068) – oscila entre a quinta e a sexta posição de maior exportador mundial, atrás da Itália e de gigantes como a China, Índia ou Brasil –, a equipa do projeto acredita que a aplicação desta tecnologia vai reforçar essa posição. “No futuro próximo, poderemos ter um catálogo virtual com milhares de chapas que podemos mostrar aos nossos clientes”, antecipa Paulo Diniz. Depois das escolhas feitas, basta cortar o bloco respectivo com a direção definida pela inteligência artificial.
O mármore extraído em Portugal das minas de Estremoz, Vila Viçosa e Borba não tem o reconhecimento estético do mármore de Itália, mas “tem uma qualidade superior em termos físicos e mecânicos”, diz Paulo Diniz. A sua resistência e menor capacidade de absorção de líquidos concedem-lhe uma grande
multiplicidade de utilizações – em fachadas, por exemplo.
No ano passado, a indústria das pedras naturais exportou 487 milhões de euros. O mármore representou 124 milhões desse total, de acordo com dados da Assimagra, a associação das empresas do sector.